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O pai da Ficha-Limpa vai para o palanque
Eduardo Monteiro/Portal Extrapauta –
A disputa do Palácio do Buriti em 2010 foi uma das alavancas para a aprovação no Congresso da Lei da Ficha-Limpa, no início uma batalha quase solitária do então Juiz Federal Marlon Reis. Naquela época, o ex-governador Joaquim Roriz despontava como líder nas pesquisas, principalmente com a derrocada de José Roberto Arruda, meses antes cassado pelo Tribunal Regional Eleitoral na esteira das denúncias da Operação Caixa de Pandora. Por haver renunciado ao mandato de Senador em 2007 em virtude de denúncias de irregularidades no BRB, Roriz corria o risco de ser enquadrado como ficha suja, e resolveu não arriscar, passando o lugar na chapa para sua esposa, Weslian Roriz.
A ficha limpa hoje é uma realidade, apesar de tentativas de boicote por parte da classe política. E Marlon Reis resolveu abandonar a magistratura, e abrir mão de todas as garantias do serviço público, para investir em novos projetos de mobilização popular – o mais recente um aplicativo para celular de coleta de assinatura eletrônica para Projetos de Lei de Iniciativa Popular (veja detalhes em matéria neste portal). Foi um PLIP desses que resultou na aprovação da Lei da Ficha-Limpa. Marlon Reis também não nega que pretende entrar para a política. Não decidiu por onde, pelo seu Maranhão ou por outra unidade da Federação, inclusive o DF. O partido já está definido, a Rede. Em Brasília, inclusive , Marlon Reis tem como interlocutor frequente o deputado distrital Chico Leite, que já integra a Rede.
E com o mesmo entusiasmo com que defendeu a Lei da Ficha-Limpa Marlon Reis não se omitiu, em entrevista exclusiva ao Portal Extrapauta, de opinar sobre temas espinhosos nos dias de hoje.
Defende uma tese jurídica de que se Michel Temer for cassado pelo TSE, a eleição direta para Presidente é perfeitamente possível. “E é melhor que o povo erre, do que o Congresso Nacional, cuja maioria está sob suspeita”. Mas diz ter uma convicção: “Tenho certeza de que não serão eleitos de novo quadrilheiros”. Sobre Temer, considera que “na prática não temos presidente,e que hoje ele é “um morto-vivo, um zumbi”. Não concorda com a tese de convocação de uma nova Constituinte, e acha que o caminho é uma “reforma política muito grande”.
Mesmo sendo um cristão-novo na política, não concorda com aqueles que procuram disputar uma eleição com o discurso de que não são políticos. “Negar a política é um desserviço à democracia”. Sobre se Lula e Aécio chegarão em 2018 como ficha-sujas, o pai da ficha-limpa, não se estende muito, mas também arrisca um palpite sob um leve sorriso: “nem todos chegarão elegíveis em 2018”.
Veja a seguir os principais trechos da entrevista ao Extrapauta:
Extrapauta – Depois de quase vinte anos na magistratura, largar tudo e começar de novo, como o senhor se sente hoje?
Marlon Reis – Muito feliz e realizado. Levando a vida de uma maneira que eu me sinto assim, muito mais leve e disponível para as missões que eu escolhi para realizar ao longo da vida.
EP- Lá no início, quando o senhor e sua equipe trabalhavam na Lei da Ficha-Limpa, vocês faziam ideia do que estavam produzindo?
MR- Nós vivemos realmente um sonho. Mas um sonho com os pés no chão. Nós acreditávamos que se conseguíssemos mobilizar a sociedade brasileira, nós teríamos alguma chance de passar aquele projeto. E ele só passou, ao arrepio da maioria do Congresso Nacional, porque a sociedade de fato comprou a briga, comprou o projeto. Foi o primeiro grande caso de mobilização on-line bem-sucedida no Brasil e um dos primeiros e maiores do mundo. No período de 2009 e 2010, quando se deu a grande mobilização on-line para aprovação do projeto, nós saímos à frente, do que viria só 2 ou 3 anos depois com a Primavera Árabe. Chegou-se a fazer estudos até internacionais nas academias, e duas pesquisadoras: uma alemã e outra sueca, elas publicaram um artigo científico afirmando que se tratava de um dos maiores “cases” de mobilização on-line em todo planeta.
EP- Como o senhor aproveitou a Lei da Ficha-Limpa para construir sua tese de doutorado?
MR- Eu defendi no ano passado minha tese de doutorado na universidade de Zaragoza, na Espanha, na área da sociologia do direito. A tarefa foi estudar academicamente a constituição de um novo princípio eleitoral. Que não estava previsto pela jurisprudência, embora tivesse expressa previsão constitucional. Procurei demonstrar que a organização social foi capaz de tirar da Constituição uma norma que estava dada, mas que não era observada. Que norma era essa? Justamente o princípio da proteção, que é a base da Ficha Limpa.
EP- Como jurista e observador atento do cenário político atual, o senhor acredita que nomes como Aécio, Lula e outros poderão estar elegíveis em 2018?
MR- Eu não posso afirmar, por desconhecer amiúde as provas dos autos. Como cidadão eu acompanho e sei que são alegações graves e fortes. Posso afirmar que nem todos chegarão elegíveis em 2018 (risos).
EP- Mas o senhor não arriscaria um palpite?
MR- Sinceramente? Eu acho- analisando como jurista- não estou aqui fazendo torcida para nenhum dos lados, até porque eu não me alinho a nenhuma dessas correntes aí. Vejo com mais gravidade – por conta das provas que já vieram a público- a situação do senador Aécio Neves. O ex-presidente Lula tem também graves acusações contra ele, que se forem confirmadas, ele será condenado – eu acredito, certamente.
EP- Estamos na iminência de uma eleição indireta, como o senhor vê essa situação?
MR- Todos podem ser candidatos. Os direitos políticos não podem ser limitados, se não por normas legais, e normas legais razoáveis. Que forem arrazoáveis, elas se deparam com o vício da inconstitucionalidade. Significa que no meu sentir, qualquer brasileiro pode ser eleito indiretamente presidente da República.
EP- E na prática, como isso funciona?
MR- A matéria não está devidamente regulamentada, e por isso carece de decisões a serem tomadas pelo Congresso Nacional. A principal delas é estabelecer como se chegará a maioria necessária para a escolha do presidente. Uma questão me vem logo à mente: poderiam ser lançados vários candidatos, e assim haver um grande fracionamento de votos entre os deputados. Então o presidente seria eleito, mesmo com uma pequena maioria; por exemplo 20% dos votos. Absolutamente, não! Entendo que deve se estabelecer a observância à regra de dois turnos, para assegurar que o vencedor tenha a maioria absoluta dos votos dos congressistas?
EP- E o senhor vê outro caminho?
MR- Faço questão de frisar que essa não é a única hipótese. Se a perda de mandato se der pela cassação pelo TSE, em tese pode haver eleição direta. Eu tenho falado muito sobre isto nas minhas palestras: não será necessariamente eleição indireta.
EP- Se o senhor tivesse uma bola de cristal, em qual dos dois cenários o senhor apostaria?
MR- Eu sou muito transparente. Vou falar do cenário pelo qual eu torço. Eu torço para que a cassação aconteça no TSE, no próximo dia 6 de junho, porque é o caminho mais curto. O Impeachment ou uma Ação Penal, que são outros caminhos para a perda do mandato, demorarão muito. Além disso, a decisão no TSE, abre caminho para as eleições diretas. Tenho visto as pessoas falarem: “ mas se for eleição direta, fulano vai ganhar, sicrano vai ganhar”. É muito melhor que o povo erre, do que o Congresso Nacional, cujos membros estão em grande parte – eu arriscaria dizer, até na sua maioria – sob suspeita, sem a mínima condição de decidir no lugar da população, de uma forma antidemocrática, porque eles não foram escolhidos para preencher mandatos.
EP- Mas a constituição não prevê eleição indireta em caso de vacância no segundo biênio?
MR- Mas vacância, significa que o mandato foi obtido validamente e depois ele foi desprovido, ele deixou de estar preenchido em virtude de um fato posterior à outorga do mandato, por exemplo: renúncia, impeachment, morte. Ninguém discute a validade da conquista do mandato. Na cassação pelo TSE é o mandato que é desconstituído, por isso é que pode eleição direta. Porque não se aplica o artigo 81 da Constituição. E não se aplicando o artigo 81, porque não há mandato vago, é um não mandato, simplesmente não há ninguém no exercício do mandato. Então o cargo vai ser preenchido, não de forma constitucional, mas da forma determinada pelas regras eleitorais: o código eleitoral e a Lei 9.504. Na dúvida entre normas sobre direitos políticos, deve-se aplicar aquela que mais atente para o mais importante dos princípios, que é o principio democrático. Vamos voltar às urnas! Eu tenho certeza que não serão eleitos de novo “quadrilheiros” pela mão do povo.
EP- Financiamento público ou financiamento privado?
MR- Eu defendo aberto há vários anos a proibição do financiamento privado, que felizmente já aconteceu. É irreversível. Os grandes financiadores estão presos ou com tornozeleira eletrônica. Os partidos não vão querer em seus quadros nomes que frequentam as páginas policiais. Eu defendo um modelo misto: com recursos privados, mas não empresariais. Manter um acesso moderado a recursos públicos e aprovar as pequenas doações individuais, do tipo crowdfunding, a nossa popular “vaquinha”. Eu apostaria na “vaquinha virtual”, onde as pessoas doariam pela internet nos candidatos na qual elas acreditem. Isso inverte a lógica e projeta o cidadão para um patamar, no qual o candidato depende do eleitor, e não o contrário.
EP- Nos Estados Unidos é diferente, gostaria que o senhor comentasse.
MR- Nos Estados Unidos desde 1917-da época da Primeira Grande Guerra Mundial-, é proibido que as empresas repassem recursos para os candidatos. Nós estamos nesse debate cem anos depois. Lá as empresas participam, só que elas fazem a própria campanha. Nos Estados Unidos e em outros países é crime federal doar recursos aos candidatos. Ano passado estive em um estado americano, em que o governador estava preso por ter recebido 2 mil dólares de uma empresa.
EP- O que esperar dessa reforma política que está sendo falada?
MR- Primeiro é preciso esperar passar essa chuva aí. O Congresso não está funcionando. Na prática nós não temos presidente. O presidente é um morto vivo, um zumbi. E quando voltar o Congresso voltará a se debater com um assunto que ele mostrou que não é capaz de resolver. Porque os deputados e senadores, em sua maioria, não estão preocupados em mudar um sistema que garantiu a eleição deles. Mas ao mesmo tempo estão apavorados, pois sabem que sociedade está muito revoltada. Eu não sei o que vai dar isso.
EP- E o que o senhor pensa de uma nova Constituinte?
MR- E sou totalmente contra! Nós nem cumprimos a Constituição de 1988. Quem vai fazer a Constituinte? Quem votará? Pessoas eleitas da maneira como são hoje? Antes temos que fazer uma reforma política muito grande. Senão vamos encher de “Eduardos Cunha” fazendo uma Constituição para o Brasil.
EP- Depois da Lei da Ficha Limpa, vem o Mudamos, o que a população brasileira pode esperar deste aplicativo?
MR- Nós esperamos que em breve toda a população, em todas as cidades brasileiras tenham a possibilidade de promover eletronicamente a coleta de assinaturas, já devidamente certificadas, para a proposição de Projetos de Lei de iniciativa popular.Com uma tecnologia totalmente segura, usada pelos bancos , que é o Block Change. E o mais importante, sem precisar depender da boa vontade de parlamentares para apadrinhar o projeto, e nem aquele trabalho hercúleo de ter que coletar Brasil afora milhões de assinaturas em papel. É uma ferramenta cívica. Com ela você decidirá quais os Projetos de Lei que o seu deputado vai ter que votar.
EP- E como está sendo a repercussão do Mudamos?
MR- Eu quero lhe dizer quem em apenas trinta dias, sem qualquer divulgação paga, sem qualquer impulsionamento, só com o boca a boca e redes sociais, a ferramenta teve mais de quatrocentos mil Downloads. Na semana passada, só durante a minha participação em um programa de tevê aberta, tivemos mais de sessenta mil. A ponto do sistema ficar instável e até sair do Ar, por conta da sobrecarga. Atualmente, eu nem sei em quanto estamos. As pessoas ficam sabendo e vão atrás. Por que? Porque as pessoas não se sentem adequadamente representadas. E o Mudamos dá a elas essa sensação de poder.
EP- O cidadão Márlon Reis tem aspiração política?
MR- Depois que eu deixei a magistratura, eu me tornei elegível. Não há nada que me impeça de ser candidato. Até mesmo porque eu sou Ficha Limpa (risos). Passa isso pela minha cabeça, mas isso não está resolvido. Meu título de eleitor é do Maranhão, mas tenho recebido muitos convites, que acho até natural, pelo fato de estar envolvido com esse tema.
EP- A classe política está desacreditada?
MR- No Brasil, há um grande equívoco, e é um absurdo como as pessoas se referem à classe política, como se político fosse uma categoria de trabalho, como se fosse uma profissão. Um cargo público eletivo é uma função, que você cumpre por um determinado tempo e pronto. Não deveria ser um emprego para a vida toda e ainda fazer disso carreira para si, para parentes e amigos. Sindicalista é a mesma coisa. O cidadão fica no cargo, se acomoda e não aprende a fazer mais nada. Isso é um erro enorme que praticamos no Brasil.
EP- O que o senhor diria a quem está descrente da política?
MR- Vamos participar! Porque que a gente precisa ficar reclamando que têm muitos políticos corruptos? Porque que nós não vamos nós mesmos disputar esses espaços. Nós precisamos fazer um grande levante cívico para em 2018 promovermos um forte processo de transformação. Eu tenho certeza que muita gente já pensou nisso, talvez esteja faltando uma palavra de estímulo. Só que nós não podemos ficar assistindo de braços cruzados. Vamos ocupar espaço, pois nada vai cair do céu. Homens e mulheres deste país que têm vocação para gerir e para liderar o povo, vamos para os mandatos!
EP- Tipo: Chegou a nossa vez
MR- Isso! Como diria Barack Obama: “Nós ficamos esperando durante anos por uma geração que mudasse as coisas. Essa geração chegou, é a nossa. Nós podemos!”. Tem gente que fica falando que basta entrar para a política para virar corrupto. Isso é uma mentira que foi plantada ao logo dos tempos, justamente para desestimular as pessoas honradas.
EP- Não há caminho para a democracia, a não ser pela política?
MR- Exato. Essa história de candidato dizer que não é político, é empresário, é gestor; isso é um grande desserviço para a democracia, porque política é algo bom. Não se pode confundir corrupção com política. Precisamos é acabar com a corrupção na política e acabar com esse discurso hipócrita que para se eleger tem que ser apolítico. O ministro Ayres Brito me disse uma vez: “A política é a atividade terrena mais elevada, fora da política, só a espiritualidade”. Porque é onde você encontra o serviço ao semelhante transformado em tarefa diária. Por isso temos a obrigação de tirar os corruptos da política, e devolvê-la ao que de fato ela é.
EP- E o que o senhor tem a dizer sobre o caso JBS?
MR- Eu já venho afirmando há tempos, que o grupo JBS constitui um modelo de empreendimento totalmente nocivo ao país. Trata-se de um monopólio de proporção global que trás todos os defeitos graves da globalização. Na prática eles controlam o preço da arroba da carne e manipulam o mercado no sentido de impedir a sobrevivência de frigoríficos menores.
Isso tudo se tornou possível porque o grupo JBS recebeu um volume de recursos gigantesco através do BNDES, como também proteção para agir livremente de forma contrária aos interesses da economia brasileira.
O grupo JBS é a expressão mais visível provocada pelas distorções do nosso sistema eleitoral. Ao mesmo tempo que recebia indevidamente recursos, o grupo aumentava exponencialmente as doações e propina para as campanhas eleitorais e para certos políticos. Tudo está entremeado, mas o maior de todos os danos, é sem dúvida, o causado à economia pelo modelo de negócio inaceitável em qualquer país do mundo.
Isso tudo se tornou possível porque o grupo JBS recebeu um volume de recursos gigantesco através do BNDES, como também proteção para agir livremente de forma contrária aos interesses da economia brasileira.
O grupo JBS é a expressão mais visível provocada pelas distorções do nosso sistema eleitoral. Ao mesmo tempo que recebia indevidamente recursos, o grupo aumentava exponencialmente as doações e propina para as campanhas eleitorais e para certos políticos. Tudo está entremeado, mas o maior de todos os danos, é sem dúvida, o causado à economia pelo modelo de negócio inaceitável em qualquer país do mundo.
EP- O senhor considera justo os benefícios oferecidos ao grupo JBS?
MR- A Procuradoria Geral da República tem agido com muita ponderação nas negociações das Colaborações Premiadas. Neste caso, considero proporcional as vantagens oferecidas levando-se em conta a qualidade das provas apresentadas, contra um número gigantesco de agentes políticos, incluindo até mesmo o presidente da República. Entretanto, é bom lembrar que a Colaboração Premiada no âmbito criminal não impede a ocorrência da aplicação de sanções severas ao grupo JBS em outras esferas, como por exemplo: no âmbito administrativo do CAD e também do Tribunal de Contas da União.
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